Abordaremos, a seguir, a complexidade do sistema climático local e as consequências de alterações bruscas como as enchentes e as grandes secas. Vamos levantar os fatores que desencadeiam surtos de doenças relacionadas à água na região: enfermidades transmitidas, principalmente, por vetores (como a malária e a dengue), bem como doenças de veiculação hídrica como a leptospirose, as hepatites virais e as doenças diarreicas.
Nível da água do Rio Negro: regulador da dinâmica econômica e social da cidade
A cidade está localizada no ponto de encontro de grandes rios, como o Negro, Solimões, Madeira e Purus, que têm regimes diferentes e estão sujeitos à influência das precipitações na Zona de Convergência Intertropical1, à entrada de vapor proveniente do Oceano Atlântico, aos eventos do El Niño/Oscilação Sul2, às trocas de calor e umidade entre vegetação e atmosfera na região, e ao derretimento das geleiras dos Andes. A defasagem entre as curvas de precipitação e o nível do Rio Negro é uma consequência desse complexo sistema climático.
A elevação do nível do rio acima da cota de lançamento dos esgotos provoca a paralisação do fluxo de dejetos, tanto no sistema geral de coleta de esgotos quanto nos pequenos sistemas de esgotamento (comunitários ou individuais). O retorno da carga de esgotos pode provocar a contaminação da água usada para abastecimento na cidade.
Em 2009, uma cheia nos rios da região superou a marca histórica de 1953. No ano seguinte, a área vivenciou o extremo oposto – uma grande seca – e apenas dois anos depois, uma nova enchente superou a cheia de 2009.
Todos esses processos favorecerem surtos de doenças relacionadas a água na região: enfermidades transmitidas, principalmente, por vetores (como a malária e a dengue), bem como doenças de veiculação hídrica como a leptospirose, as hepatites virais e as doenças diarreicas.
Pesquisas diversas, incluindo estudos vinculados ao nosso Observatório, constataram o aumento da incidência de doenças associadas ao nível do rio para a leptospirose, a dengue e a malária. Porém, a maior incidência dessas moléstias ocorreu na fase de elevação da curva de nível do rio, o que revela um ambiente mais favorável para a transmissão, com o alagamento de igarapés e o comprometimento do abastecimento de água e esgotamento sanitário.
As alternativas de adaptação às mudanças climáticas devem levar em conta o regime dos rios, a capacidade natural das chuvas de se submeter a variações, bem como as alterações de maior intensidade e duração nesses ciclos.
O nível da água do Rio Negro é um forte regulador da dinâmica econômica e social de Manaus, com o qual a cidade se habituou a conviver. A persistência de palafitas como alternativa de habitação tradicional de baixo custo demonstra uma tentativa de adaptação da população local às variabilidades climáticas. Nesse caso e em situações semelhantes, as variações de nível do rio são assimiladas pelos habitantes, caso ocorram dentro de uma faixa que não comprometa os sistemas de transporte, de suprimento de água e alimentos e de esgotamento sanitário. Maiores alterações, no entanto, como no caso de enchentes extremas, podem provocar o colapso desses sistemas e dificultar a chegada de itens essenciais para a sobrevivência dos moradores. Outro exemplo de crise é um período prolongado de seca, que pode impedir o transporte em pequenos rios da região, prejudicando o suprimento de alimentos para Manaus.