Doenças diarreicas

A diarreia é um importante problema de saúde pública em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento. A doença diarreica aguda (DDA) é uma síndrome causada por diferentes agentes etiológicos (bactérias, vírus e parasitos). A manifestação clínica mais comum consiste no aumento do número de evacuações, com fezes aquosas ou de pouca consistência. Pode ocorrer presença de sangue ou muco, acompanhadas de dor abdominal, febre, náusea e vômito. Em geral é autolimitada, tendo a duração de dois a 14 dias. O quadro clínico pode variar de manifestações leves até graves, com desidratação e outros distúrbios, principalmente quando associadas à desnutrição. O contágio pela doença varia, dependendo da bactéria, vírus ou parasito, entretanto, as vias oral ou fecal-oral são as mais comuns. Locais de uso coletivo apresentam maior risco de transmissão.

Determinantes e Condicionantes da DDA
Vários fatores ambientais e socioeconômicos, que abarcam as condições de vida das populações, explicam o aumento no número de casos e notificações de doenças diarreicas agudas, dentre eles destacam-se: escolaridade materna, abastecimento de água e destino dos dejetos, renda familiar, local de residência (rural ou urbano), desnutrição, escolaridade materna, entre outros condicionantes e determinantes do agravo1. Além dos fatores biológicos e das condições ambientais (saneamento básico, moradia), consideram-se as condições nutricionais (padrão alimentar da família), sociais (idade dos pais, grau de instrução), econômicas (renda familiar) e acesso aos serviços de saúde. Alguns autores destacam também os hábitos adquiridos por questões culturais, que podem explicar a manifestação da doença em determinadas áreas.

Em áreas da Região Amazônica, a utilização de rios e poços sem tratamento como soluções alternativas de abastecimento de água podem ocasionar problemas diarreicos, pela contaminação da água. Em áreas do Nordeste, onde ocorrem secas intensas, a água disponível pode não apresentar padrões adequados (de potabilidade), o que pode provocar surtos de doença diarreica aguda na região. Como agravantes, condições de renda, escolaridade e esgotamento sanitário das populações, sobretudo dessa região, podem contribuir para o aumento no número de casos da doença. 

Determinantes socioeconômicos 
Densidade demográfica
Abastecimento de água intermitente (irregular)
Coleta sistemática de lixo
Esgoto a céu aberto
Domicílios com banheiro
Responsáveis pelo domicílio com pelo menos o ensino médio completo
Responsáveis pelo domicílio que ganham menos de um salário mínimo por mês
População residente em áreas de favela
População residente em áreas de seca
População residente em áreas de inundação

Determinantes Ambientais
Áreas inundáveis
Áreas de secas e estiagens
Água para consumo humano sem tratamento
Água para consumo humano que não atenda ao padrão microbiológico (Escherichia coli)

O clima e a DDA
O clima pode atuar como agente na manifestação de doenças diarreicas agudas, quando considerarmos contextos socioeconômicos e ambientais desfavoráveis, sobretudo em situações de desastres. O elevado volume de chuvas, por exemplo, pode propiciar o aumento do índice de contaminação de águas de poços do lençol freático2 superficial. Com relação à seca, evidenciou-se na região do Nordeste brasileiro que as doenças diarreicas rotavirais3 ocorrem com maior prevalência nesta situação climática; já durante estações chuvosas são mais frequentes diarreias originadas pela bactéria E. coli.

Glossário
1- Agravo - Aumento da intensidade ou gravidade de um mal, de doença ou sintoma. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
2- Lençol freático - Diz-se de lençol de água pouco profundo, explorado por meio de poços. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
3- Rotaviral - Referente a rotavírus, que é cada unidade de um grupo de vírus de RNA, com aparência de roda, causadores da gastrenterite infantil aguda e de diarreia em crianças e animais. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.

Fonte: Análise de Situação de Clima e Saúde - Módulos 1 e 2 

Esquistossomose

Trata-se de uma infecção produzida por parasito (trematódeo digenético). No Brasil é encontrado o Schistosoma mansoni, da família Schistosomatidae. A doença possui baixa letalidade e as principais causas de morte estão relacionadas às formas clínicas graves. No período de 2009 a 2013, houve uma média de 294 internações e 490 mortes no país. 

Os hospedeiros1 intermediários no Brasil são os caramujos do gênero Biomphalaria: B. glabrata, B. tenagophila e B. straminea. Para que ocorra o contágio do Schistosoma mansoni no homem - principal reservatório -, os ovos são eliminados pelas fezes do hospedeiro infectado (homem) na água, que eclodem, liberando uma larva ciliada, que infecta o caramujo. De quatro a seis semanas depois, abandonam o caramujo, na forma de cercária, ficando livres nas águas naturais. O contato humano com águas infectadas pelas cercárias é a maneira pela qual o indivíduo adquire a esquistossomose.

Determinantes e condicionantes da esquistossomose
A distribuição da esquistossomose está associada à presença de alguns condicionantes ambientais, sociais e econômicos. Nos condicionantes ambientais, a presença do caramujo biomphalaria está condicionada à existência de pequenas coleções hídricas e pontos de água com pouca correnteza. A espécie do caramujo também apresenta influência na distribuição da esquistossomose.

Os condicionantes sociais e econômicos, quando associados aos ambientais, podem favorecer a transmissão da esquistossomose. A análise nas áreas de principal ocorrência da esquistossomose apontou como variáveis mais expressivas: as condições de renda, a baixa escolaridade, o acesso à água e a condições de esgotamento sanitário precário.

Determinantes socioeconômicos 
Baixa escolaridade
Ausência de saneamento (domicílios sem banheiro e caixa de esgoto doméstico, abastecimento de água, drenagem, limpeza e retificação de margens de coleções hídricas etc.)
Serviços de saúde
Aspectos socioculturais
Pobreza
Obras de Transposição (Rio São Francisco)

Determinantes Ambientais
Espécie do caramujo biomphalária
Pequenas Coleções hídricas (rios, pequenas valas, lagoas e até pequenas poças)
Áreas rurais
Pontos de água parada ou com pouca correnteza (esgoto a céu aberto, valas com água doméstica servida)
Inundação, enxurrada em áreas endêmicas2

O clima e a esquistossomose
Situações de inundação podem ocasionar o transbordamento de lagoas com a presença do caramujo, contaminando outras fontes de água e proporcionando o contato do agente etiológico3 da esquistossomose com o hospedeiro humano (Silva et al, 2006). O vetor4 apresenta um comportamento sazonal5 determinado e geralmente associado a períodos de maior pluviosidade, quando os criadouros apresentam melhor situação para reprodução do vetor e contágio pelo parasita. Os padrões de chuva podem influenciar diretamente a manutenção de fatores como temperatura e salinidade, relacionados com locais de reprodução, proporcionando condições ideais para a sua instalação, sobrevivência e reprodução.

Distribuição da Biomphalaria

A distribuição da B. glabrata está amplamente distribuída em dezesseis estados e está quase sempre associada à ocorrência de casos da doença. A B. straminea são habitantes de coleções hídricas permanentes e temporárias, estando mais ajustados ao clima seco do Nordeste e é encontrada em todo o território brasileiro, exceto no Amapá e Rondônia. Já a distribuição da B. tenagophila foi identificada em dez estados brasileiros, além do Distrito Federal e é responsável pela transmissão no Sudeste e Sul do país.

Glossário
1- Hospedeiro - 2. Biol. Diz-se de organismo que acolhe ou nutre outro: Os carrapatos espalharam-se e os animais hospedeiros sofreram muito. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
2- Endêmico - Relativo à endemia, doença infecciosa que ocorre frequentemente em certas regiões e/ou populações. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
3- Agente etiológico - 2- Etiológico - 1. Ref. a etiologia; que estuda a causa de algo: Os fatores etiológicos da gripe. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
4- Vetor- 1. Biol. Ser vivo que pode transmitir parasitas, bactérias ou vírus a outro: Mosquitos são vetores de vários tipos de vírus. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
5- Sazonal - Referente a uma estação ou época. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.

Fonte: Análise de Situação de Clima e Saúde - Módulos 1 e 2 

Hepatite A

A hepatite A é uma doença viral aguda, de manifestações clínicas variadas, desde formas subclínicas1, oligossintomáticas2 e até fulminantes, o que ocorre em menos de 1% dos casos. A transmissão da doença é fecal-oral, por veiculação hídrica, de pessoa a pessoa ou por meio de alimentos, objetos e animais contaminados.

O clima e a hepatite A
Muito trabalhos relacionam a incidência de hepatite A às condições socioeconômicas e de saneamento. São poucos os estudo que evidenciaram o clima como fator determinante para incremento no número de casos. Alguns especialistas avaliaram a sazonalidade3 de seis doenças, entre elas, a hepatite A. Essa foi a única que não apresentou comportamento sazonal determinado. Provavelmente, as variáveis contextuais socioeconômicas e ambientais devem mediar a manifestação do agravo4 e variáveis climáticas podem agir de maneira indireta no comportamento das populações, o que pode provocar casos, dependendo do contexto no qual essa população está inserida.

Glossário

1- Subclínica - Diz-se do que não é detectável por intermédio de exame clínico de rotina, feito por meio de tato e procedimentos similares. Fonte: Dicionário Caldas Aulete. 
2- Oligossintomática - Sinônimo de: incaracterística, atípica, incomum, diferente, inusual, inabitual, anômala, invulgar, rara. Fonte: https://www.sinonimos.com.br/
3- Sazonalidade - Qualidade de sazonal, que é referente a uma estação ou época. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
4- Agravo - Aumento da intensidade ou gravidade de um mal, de doença ou sintoma. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.

Fonte: Análise de Situação de Clima e Saúde - Módulos 1 e 2 

Leptospirose

Leptospirose é uma doença infecciosa febril de origem bacteriana que afeta seres humanos e animais. É causada por bactérias do gênero Leptospira. A infecção humana resulta da exposição direta ou indireta à urina de animais infectados. A penetração do microrganismo ocorre através da pele com a presença de lesões, da pele íntegra imersa por longos períodos em água contaminada ou por meio de mucosas. (Brasil, 2005).

Estimativas apontam maior incidência de leptospirose nos trópicos úmidos com taxas acima de dez casos por cem mil habitantes por ano, enquanto em países de climas temperados essa taxa varia entre 0,1 a 1 por cem mil habitantes por ano. No Brasil, a taxa média de incidência é de dois por cem mil habitantes.

Determinantes e condicionantes da leptospirose
Múltiplos fatores são responsáveis pela manifestação da leptospirose. É possível destacar o regime de chuvas, a temperatura e a topografia, além de fatores socioeconômicos, como condições de saneamento, nível de instrução da população e uso do solo. Ainda que ocorra quase em todo o mundo, os padrões de transmissão podem variar de acordo com as regiões nas quais se manifesta a doença. Os sistemas urbanos de saneamento e drenagem inadequados nas cidades configuram risco de adoecimento devido à inundação de áreas e exposição da população ao agente etiológico1. Vários autores descrevem as condições de habitação precárias e as falhas no sistema de coleta de lixo como causadores da enfermidade. Alguns trabalhos evidenciam fatores ambientais e relacionam condições socioeconômicas e de saneamento em áreas de favela a elevados gradientes2 de exposição.

 

Determinantes socioeconômicos
· Densidade demográfica
· Domicílios sem esgotamento sanitário
· Responsáveis pelo domicílio com pelo menos o ensino médio completo
· Responsáveis pelo domicílio que ganham menos de um salário mínimo por mês
· População residente em áreas de favela
· População residente em área de inundação
· Domicílios sem coleta de lixo sistemática

Determinantes ambientais
· Nível dos rios (cotas hidrológicas)
· Amostras de água com cloro fora do padrão
· Sistemas de abastecimento de água sem tratamento
· Sistemas de abastecimento de água com simples cloração (processo que consiste na adição de cloro à água, para torná-la pura ou adequada para o consumo)
· Áreas inundáveis
· Áreas de acúmulo de lixo
· Áreas com proliferação de roedores

O clima e a leptospirose
Em situações de desastres naturais ou eventos climáticos extremos são comuns surtos aparentes de casos de leptospirose. A chuva e a insuficiência de drenagem associadas a serviços inadequados de coleta de lixo e esgotamento sanitário configuram cenários propícios para a manifestação da doença. 

Com a alteração da variabilidade climática e o aumento na frequência de eventos climáticos extremos, áreas populosas podem estar cada vez mais vulneráveis ao incremento no número de notificações, sobretudo, em situações de chuvas mais intensas e com o possível aparecimento de casos mais graves. Os fenômenos El Niño e La Niña também configuram importante elemento a ser analisado na relação entre chuva e leptospirose, uma vez que provocam consideráveis e conhecidas alterações na distribuição e na quantidade de precipitações.

Glossário

1- Mucosa - 1. Anat. Membrana interna de vários órgãos, que se mantém úmida graças ao muco que existe dentro dela. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
2- Topografia - Descrição exata e minuciosa de um lugar. Fonte: Dicionário Priberam.
3- Agente etiológico - Etiológico - Ref. a etiologia, que estuda a causa de algo: Os fatores etiológicos da gripe. Fonte: Dicionário Caldas Aulete.
4- Gradiente - 1. Fís. Medida de variação de certa característica de um meio (pressão, temperatura, umidade etc.) em função de um intervalo de variação de uma outra característica (altitude, distância etc.). Fonte: Dicionário Caldas Aulete. 

Fonte: Análise de Situação de Clima e Saúde - Módulos 1 e 2 
Leia o artigo Efeitos da escala geográfica na análise dos determinantes da leptospirose

Mapa do Brasil com apenas os estados do norte
Tendências de problemas ambientais e de saúde