Por que pensar nas fronteiras?
Os contextos sociopolíticos dos territórios transfronteiriços tendem a aumentar a vulnerabilidade das populações e dificultar a implementação de estratégias e políticas para o controle efetivo de doenças transmitidas por vetores (Peiter, 2005).
De fato, dentro da área de abrangência, que se estende dos dois lados da fronteira, são adotadas diferentes estratégias e meios de vigilância, prevenção e controle de doenças. Da mesma maneira, coexistem os mais variados modos de vida e formas de adaptação das populações locais. Além disso, os territórios de fronteira são atravessados por grupos de pessoas, algumas delas infectadas por agentes patogênicos, que são difíceis de acompanhar clinicamente, principalmente por causa de sua grande mobilidade ou situações de ilegalidade (falta de documentos, atividades ilegais etc.) que os obrigam a tornar-se invisíveis às autoriedades e aos sistemas de saúde, a viverem em condições de deterioração e a recorrer à automedicação ou ao tratamento inadequado de doenças. Além disso, estes territórios muitas vezes correspondem a áreas marginalizadas do ponto de vista das políticas de gestão territorial nacional, em parte devido à condição de fronteira, ao seu isolamento geográfico em relação aos centros de decisão nacionais, à sua baixa densidade de população etc. Esses fatores acarretam o uso inadequado ou insuficiente dos serviços de saúde, bem como a lacuna de dados e conhecimento sobre essas regiões.
Tudo isso contribui para a vulnerabilização das populações locais (sejam elas indígenas ou móveis), tornando-as mais suscetíveis à infecção por patógenos, limitando a oferta e o acesso aos cuidados de saúde, promovendo a resistência de patógenos aos medicamentos e, finalmente, impedindo uma visão compartilhada da situação epidemiológica da região transfronteiriça, o que é um pré-requisito para a definição de ações conjuntas de controle, direcionadas e efetivas.
"A malária transfronteiriça"
A malária transfronteiriça é considerada um grande obstáculo à eliminação da malária em todo o mundo (Wangdi et al., 2015). A eliminação dessa doença passou a fazer parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de 2030 (Meta 3 do ODS, Meta 3.3, ONU, 2015), sendo por isso, crucial uma maior atenção na definição de estratégias eficazes e viáveis operacionalmente em territórios transfronteiriços (Feachem et al., 2010, Moonen et al., 2010, Krisher et al., 2016).
O território transfronteiriço entre a Guiana Francesa e o Amapá
A área transfronteiriça entre a Guiana Francesa e o Amapá é típica dos contextos transfronteiriços descritos acima. Pela sua representatividade, e também pela intensa cooperação transfronteiriça que se desenvolveu desde 2010, essa área pode atuar como um "laboratório" ideal para caracterizar, compreender e organizar o papel desempenhado pela fronteira na saúde das populações, não apenas entre a Guiana Francesa e o Amapá, mas que também possam ser aplicados em outras regiões do mundo.