Fiocruz estuda prevenção de desastres

Entrevista: Carlos Machado de Freitas

Carlos Machado de Freitas é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergência de Desastres em Saúde (Cepedes/Ensp/Fiocruz)

Por: Renata Augusta (CTIC/Icict) 

Quais são os destaques em relação ao trabalho da Fiocruz na questão dos desastres?
"O primeiro aspecto importante é que a Fiocruz já tem iniciativas nesse tema desde o desastre provocado pela Samarco em Mariana. Junto com a Fiocruz Minas Gerais, nós organizamos, em Mariana, um seminário que ocorreu seis meses após (o desastre) para avaliar os impactos e as ações. Fizemos uma capacitação, junto com a Secretaria estadual de Saúde de Minas Gerais, de 60 municípios ao longo de 2018. E organizamos uma oficina no Congresso da Abrasco sobre os impactos na saúde mental e atenção psicossocial em situações de desastres, trazendo, na época, o pessoal de Mariana." 
 

Como essas atividades se relacionam com o evento sobre o desastre da Vale em Brumadinho, realizado em 5 de fevereiro? (Leia reportagens da mídia interna e externa
"Na continuidade desse tipo de atividade, temos dois focos hoje. Primeiro, é o que pesquisadores do Observatório de Clima e Saúde vão apresentar, através de estudos que realizaram, e de estudos que realizamos junto com eles, sobre cenários de riscos que podem ser ocasionados por esse desastre. Nós, do Cepedes, vamos apresentar os principais desafios que se colocam hoje em termos da estruturação do SUS para a gestão de risco desses desastres, desde as medidas preventivas – e aqui acho que a Fiocruz, como SUS, deve participar da discussão sobre a construção de novas barragens e a legislação envolvendo barragens, ou seja, prevenir a construção de novas barragens e adotar o que o Léo Heller, da Fiocruz Minas, propôs, que é uma moratória, ou seja, não construir barragens até que se tenha uma lei rigorosa. É preciso reduzir os riscos nas barragens que temos."

Qual é o panorama das barragens hoje e quais são as ações preventivas mais importantes?
"Há 24 mil barragens espalhadas pelo país, nem todas licenciadas, certificadas. 790 ou 3%, aproximadamente, são barragens de mineração concentradas, principalmente, em Minas Gerais e depois no Pará. Então se propõe uma fiscalização imediata nessas barragens, envolvendo não só os órgãos ambientais, o Ministério Público, os órgãos voltados para a mineração, mas também sindicatos de trabalhadores, o próprio SUS, através da vigilância da saúde do trabalhador, e delegacias regionais do trabalho. Os fiscais do trabalho existem apesar da extinção do Ministério do Trabalho. Outro aspecto é o SUS se organizar melhor não só para a preparação e respostas – atuações em Brumadinho estão sendo muito boas para esse momento imediato, e é importante valorizar isso –, mas a gente tem impactos desses desastres que se prolongam por meses e anos."

Quais são as principais doenças que se precisa tratar a curto, médio e longo prazo?
"É preciso organizar a vigilância de doenças que abrangem: a saúde mental; as infecções respiratórias provocadas pela lama e pela poeira; as doenças dermatológicas causadas também por esse contato; (enfermidades) associadas à água (não só à qualidade da água para consumo humano mas à contaminação por metais pesados) e à poeira também contaminada por metais pesados; o agravamento de doenças crônicas como diabetes e hipertensão, que a gente já viu em outros desastres como o que atingiu Barra Longa, município logo depois de Mariana; e o aumento de casos de AVC seis meses depois do desastre de Santa Catarina, como já vimos com o Observatório de Clima e Saúde. Então, o SUS tem que estar organizado para esse processo agora de vigilância, atenção e cuidado à saúde da população que foi exposta, não só em Brumadinho, mas nos outros municípios atingidos pela contaminação da água e trabalhar conjuntamente nas atividades de reconstrução, adotando o princípio do marco de Sendai, que é uma espécie de Agenda 21 para os desastres. Ou seja, a reconstrução tem que ser em condições melhores para não manter a condição de risco anterior. Garantir a reconstituição dos meios e modos de vida da população é fundamental e o SUS deve trabalhar junto."

A Fiocruz deslocou técnicos para a região atingida ou está montando uma força-tarefa para colaborar?
"A Fiocruz instituiu, através da presidente Nísia, uma sala de situação sobre o desastre em Brumadinho, envolvendo as unidades da Fundação aqui no Rio, particularmente, Ensp e Icict, e a unidade de Minas Gerais. Não estamos indo a Minas, porque existe uma Fiocruz nesse estado. A nossa interlocução tem sido principalmente com a Zélia Profeta, diretora da Fiocruz Minas Gerais, que está atuando junto às secretarias estadual e municipal de saúde para aquilo que for necessário e a Fiocruz possa ajudar. Hoje mesmo ela vai ter uma reunião com os diversos órgãos do estado para pensar e estruturar investigações futuras e capacitações também."

A Fiocruz Minas se mobilizou assim que houve o acidente?
"Já está mobilizada desde o primeiro momento. Estamos mobilizados desde o início (a Fiocruz como um todo)."

Algum estudo da Fiocruz chegou a apontar riscos em barragens?

"Começamos a estudar desastres aqui na Fiocruz faz muitos anos. Temos atuado há bastante tempo em alguns desastres tecnológicos, principalmente, envolvendo produtos químicos, e a atuação relativa a barragens de mineração, sobretudo, a partir do desastre da Samarco. A Fundação se mobilizou naquela época com uma série de atividades que já relatei. Vale lembrar que a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (revista Poli 43) e a Ensp (revista Radis) fizeram publicações especiais sobre o desastre provocado pela Samarco em Mariana. Ao começarmos a trabalhar com esse tema, já apontávamos (e temos um artigo publicado sobre isso) que se fossem mantidas as mesmas condições de gestão de risco de barragem haveria a ameaça de novos rompimentos, porque menos de 3% eram consideradas de alto risco e a maior parte, tida como de baixo risco, que é o caso da barragem da Vale em Brumadinho e da barragem da Samarco. Eram consideradas de baixo risco! Então, se a gente não rever urgentemente essa legislação e não tiver inspeção em todas as barragens, vamos continuar mantendo o risco de novas barragens romperem por conta de condições precárias."

Onde foi publicado o artigo citado?
"Esse trabalho foi publicado na revista Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)."

Gostaria de acrescentar mais alguma informação?
"Acho que a Fiocruz está bem organizada, o setor saúde está atuando muito bem (orgulho de ser SUS), mas a maior dificuldade é a gente manter uma agenda de trabalho que dure pelo menos até os próximos dois anos, de monitoramento, acompanhamento e investigações sobre isso, como também capacitação das secretarias municipais e estaduais de saúde."

* Fotos: Peter Illiciev (CCS)

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